Em uma sessão acalorada no parlamento francês, o deputado Charles de Courson, do partido centrista LIOT (Libertés, Indépendants, Outre-mer et Territoires), provocou indignação ao se referir à carne brasileira como “lixo”. A declaração foi feita durante uma votação simbólica que reafirmou a oposição da França ao acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul. O episódio marca mais um capítulo na resistência francesa ao pacto, que enfrenta críticas de todos os espectros políticos, da extrema-esquerda à ultradireita.
A votação, que não possui caráter vinculativo, refletiu a postura unânime dos partidos franceses contra o acordo, citando preocupações com impactos ambientais, padrões sanitários e a concorrência desleal aos produtores locais. Durante os debates, De Courson argumentou que a carne importada do Brasil não atende aos rigorosos padrões sanitários exigidos pela União Europeia, além de acusar os métodos de produção brasileiros de contribuírem para o desmatamento da Amazônia.
Contexto Político e Ambiental
A França tem sido uma das maiores opositoras do acordo UE-Mercosul, assinado em 2019 após duas décadas de negociações. Embora o pacto prometa eliminar tarifas sobre uma ampla gama de produtos e impulsionar o comércio entre os blocos, críticos afirmam que ele favoreceria práticas agrícolas insustentáveis, ampliando o desmatamento e prejudicando os pequenos agricultores europeus.
O presidente francês Emmanuel Macron já havia expressado repetidamente sua preocupação com as políticas ambientais do Brasil sob o ex-presidente Jair Bolsonaro, citando o aumento significativo das taxas de desmatamento durante seu mandato. Embora o governo Lula tenha adotado medidas para reverter o desmatamento, as tensões diplomáticas permanecem altas.
Impacto na Imagem do Brasil
A declaração do deputado francês ecoa uma visão amplamente negativa sobre a produção agropecuária brasileira em setores da política europeia. Ambientalistas na Europa frequentemente criticam o Brasil por permitir a expansão do agronegócio em detrimento da preservação florestal. A fala de De Courson, no entanto, foi considerada por muitos como excessiva e preconceituosa, gerando reações no Brasil.
Representantes do setor agropecuário brasileiro, como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), condenaram a declaração como uma “ofensa gratuita” e defenderam os padrões de qualidade dos produtos exportados pelo país. “A carne brasileira é reconhecida mundialmente por sua qualidade e segurança alimentar. O que vimos foi uma tentativa de desqualificar nosso produto por motivos puramente protecionistas”, afirmou a entidade em nota.
Reações e Consequências
A retórica inflamada de Courson pode reforçar a oposição ao acordo em outros países europeus, como Alemanha e Áustria, que também têm demonstrado reservas ao pacto. Por outro lado, ela fortalece a narrativa brasileira de que há um protecionismo disfarçado de preocupação ambiental em jogo.
Enquanto isso, o governo brasileiro, por meio do Itamaraty, reafirmou seu compromisso com práticas sustentáveis e destacou que o país tem avançado na rastreabilidade da carne e no combate ao desmatamento. Analistas alertam, contudo, que incidentes como este dificultam ainda mais a aprovação do acordo, que precisa da ratificação de todos os países-membros da União Europeia.
A controvérsia ilustra a complexidade das relações comerciais e ambientais entre os blocos, onde interesses econômicos, ecológicos e políticos colidem. A fala de De Courson, embora simbólica, deixa clara a resistência da França a abrir seu mercado para produtos sul-americanos, levantando a questão: até onde vai a defesa do meio ambiente, e onde começa o protecionismo?