Manifestações bolsonaristas pressionam por votação de proposta que perdoa envolvidos nos ataques às instituições, enquanto juristas alertam para brechas que favorecem ex-presidente
Sob gritos de “Libertem os presos políticos”, milhares de apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) ocuparam a Avenida Paulista no último domingo (6/4) para pressionar a Câmara dos Deputados a votar o projeto de anistia aos envolvidos na invasão das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. A estratégia, articulada pelo ex-presidente e seus aliados, busca testar sua influência política enquanto tramita no Congresso uma proposta que, segundo especialistas, pode beneficiá-lo diretamente .
O que diz o projeto?
O PL 2.858/22, de autoria do ex-deputado Major Vitor Hugo (PL-GO), prevê o perdão a manifestantes, financiadores e organizadores dos atos antidemocráticos, incluindo crimes como associação criminosa, dano qualificado e tentativa de golpe de Estado. O texto original foi ampliado para abranger não apenas os eventos de 8 de janeiro, mas também atos “anteriores ou subsequentes” com “correlação” aos ataques, o que, na prática, pode incluir ações de Bolsonaro investigadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) .
Juristas destacam que a redação vaga permite interpretações extensivas. “O projeto é uma anistia ampla e irrestrita, que pode servir como salvo-conduto para golpistas”, critica o advogado André Marsiglia . A Procuradoria-Geral da República (PGR) acusa Bolsonaro de liderar uma organização criminosa que culminou nos ataques, incluindo crimes como abolição violenta do Estado Democrático de Direito — todos passíveis de anistia caso o texto seja aprovado .
A jogada política de Bolsonaro
Apesar de inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Bolsonaro mantém-se como figura central da direita. Seus discursos recentes enfatizam a “injustiça” contra apoiadores presos, mas evitam mencionar que a anistia pode extinguir processos contra ele mesmo. “Por que a esquerda está contra, se sempre se beneficiou de anistias?”, questionou o ex-presidente em Copacabana no mês passado .
Aliados no Congresso, como o líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), correm para coletar as 257 assinaturas necessárias para votar o projeto em regime de urgência, contornando comissões técnicas. Até o momento, 182 deputados aderiram, incluindo 12 da base governista . A pressão inclui ameaças de publicar nomes de resistentes, tática suspensa após pedido do próprio Bolsonaro para “segurar a estratégia” .
Os obstáculos no caminho
A aprovação enfrenta resistência até dentro do centrão. Líderes avaliam que pautar a anistia agora “aumentaria a crise institucional”, especialmente após o STF aceitar a denúncia contra Bolsonaro por suposta articulação golpista . O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), resiste a ceder à pressão, defendendo “sensibilidade sem exageros” e priorizando pautas econômicas, como a isenção de IR para rendas de até R$ 5 mil .
Enquanto isso, o governo Lula mobiliza-se para barrar o texto. “Crimes contra a democracia não podem ser anistiados”, afirma o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), que classifica a proposta como “inconstitucional” .
O risco de um novo capítulo na crise institucional
Além do perdão, o projeto inclui uma mudança crucial: transfere para a primeira instância processos sobre atos golpistas, tirando do ministro Alexandre de Moraes (STF) a relatoria das investigações contra Bolsonaro. “É uma manobra para esvaziar o Supremo”, alerta o jurista Marlon Reis .
Para piorar o cenário, uma nova versão do texto, relatada pelo deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), amplia a anistia a “publicações em redes sociais” — o que abrangeria digital influencers bolsonaristas acusados de incitar violência .
Enquanto as ruas ecoam o embate entre “anistia” e “justiça”, o Congresso torna-se palco de uma batalha que redefine os limites da democracia brasileira. Se aprovado, o projeto não apenas reescreveria o legado do 8 de janeiro, mas reacenderia o protagonismo de Bolsonaro na política nacional. Resta saber se a mobilização nas ruas será suficiente para vencer a resistência institucional.
Para mais detalhes: BBC News Brasil | CNN Brasil | Estadão.