Do paraíso dos Clubes de Tiro ao arsenal do crime: facções se armaram na era Bolsonaro?


Investigações revelam possível elo entre a flexibilização das leis de armas e o aumento do poder bélico de organizações criminosas em todo o país.
A gestão de Jair Bolsonaro (2019-2022) ficou marcada por uma série de decretos que facilitaram drasticamente o acesso a armas de fogo e munições no Brasil, impulsionando um crescimento exponencial no número de clubes de tiro e no registro de Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs). O Decreto nº 9.847/2019 é um dos principais exemplos dessa flexibilização. Se, por um lado, o discurso oficial defendia o direito à autodefesa e o fomento ao esporte, investigações recentes da Polícia Civil e de outras autoridades apontam para uma conexão perigosa: o possível abastecimento de facções criminosas com armamento de grosso calibre, desviado justamente desse mercado em expansão.
Dados indicam um aumento de cerca de 1.400% no número de clubes de tiro no Brasil durante o governo Bolsonaro, saltando para mais de 2.000 em 2022. Paralelamente, o número de registros de CACs também cresceu significativamente. Esse cenário levanta suspeitas de que, em meio a legítimos entusiastas do tiro esportivo, criminosos estariam se aproveitando da brecha legal para adquirir armas que antes eram de acesso restrito.
A relação entre essa flexibilização e o fortalecimento do crime organizado tem sido o foco de diversas operações policiais. Um exemplo citado na matéria é a investigação na Muzema, no Rio de Janeiro, que busca rastrear o fluxo de armas para facções locais. Outras investigações em diferentes estados do país também apontam para o envolvimento de CACs no desvio de armamento para o crime.
Um levantamento do Instituto Sou da Paz revela um aumento alarmante no envolvimento de CACs com o crime organizado. Entre 2016 e 2018, foram registrados apenas 6 casos, enquanto em 2022 esse número saltou para 11, atingindo um recorde de 12 casos em 2023. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, chegou a declarar que parte do aumento no número de CACs durante o governo Bolsonaro poderia ter sido uma “fraude” com o objetivo de desviar armas para o crime.
A apreensão de grandes quantidades de armas de fogo em operações recentes reforça essa preocupação. Em maio de 2025, uma ação da Polícia Civil no Rio de Janeiro e em São Paulo apreendeu 240 armas e prendeu dez pessoas ligadas ao Comando Vermelho, demonstrando a circulação de um grande arsenal em mãos de criminosos.
O aumento da presença de armas de grosso calibre nas mãos de facções criminosas, como pistolas 9mm e fuzis, também é um indicativo preocupante. Um levantamento aponta que, em São Paulo, as apreensões de pistolas 9mm saltaram de 2,7% em 2017 para 7,6% em 2022. No Rio de Janeiro, no mesmo período, o aumento foi de 19% para 28%.
Diante desse cenário, a questão que se impõe é se a política de armamento facilitado durante o governo Bolsonaro, sob a justificativa da liberdade individual e do esporte, acabou se tornando uma porta de entrada para o fortalecimento bélico do crime organizado no Brasil. As investigações em curso e os dados levantados por órgãos de segurança e institutos de pesquisa sugerem que essa relação é, no mínimo, preocupante e merece atenção redobrada das autoridades.

Abrir bate-papo
Como podemos ajudá-lo?
Verified by MonsterInsights