Na madrugada de 16 de março de 1990, o Brasil mergulhou em um dos capítulos mais traumáticos de sua história econômica. Há exatos 35 anos, o então presidente Fernando Collor de Mello anunciou um plano de estabilização que bloqueou poupanças, contas correntes e aplicações financeiras da população overnight. O objetivo era conter a hiperinflação, que chegava a 80% ao mês, mas o confisco de até 80% do dinheiro de milhões de brasileiros deixou marcas profundas na relação do país com o sistema financeiro.
Contexto do caos:
No final dos anos 1980, a inflação corroía o poder de compra dos brasileiros. A moeda mudava de nome com frequência, e os preços subiam diariamente. Collor, eleito com discurso de “caçador de marajás”, prometia modernizar o país. Seu plano, porém, surpreendeu até aliados: além de congelar ativos, incluiu a extinção do cruzeiro e a criação do cruzeiro real, cortes de gastos e abertura de mercado.
O trauma do bloqueio:
Ao acordar naquele 16 de março, correntistas descobriram que valores acima de 50 mil cruzados novos (equivalente a cerca de R$ 9 mil hoje) estavam bloqueados por 18 meses. Estimativas apontam que R$ 115 bilhões (em valores atualizados) foram retidos, afetando 10 milhões de pessoas. Famílias perderam reservas para emergências, empresas quebraram por falta de liquidez, e pequenos investidores viram sonhos desmoronarem.
Legado de desconfiança:
O Plano Collor fracassou em domar a inflação, que só foi controlada em 1994 com o Real. Porém, seu maior impacto foi cultural. “Gerou uma ferida coletiva. As gerações seguintes ainda têm medo de deixar dinheiro no banco”, analisa Maria Rita, economista da FGV. Dados do Banco Central mostram que, mesmo após três décadas, apenas 6% dos brasileiros investem em renda variável, reflexo de um país que aprendeu a desconfiar de políticas radicais.
Collor e as consequências políticas:
O confisco acelerou a queda de Collor, impeachmado dois anos depois por corrupção. Para historiadores, o episódio também alimentou a polarização política, com parte da população associando medidas econômicas drásticas a “salvadores da pátria”.
E hoje?
A memória do confisco ressurge em debates sobre intervenções estatais. Em 2023, propostas de taxação de investimentos reacenderam o debate: “Não podemos repetir traumas do passado”, alertou o presidente da B3, Gilson Finkielstain, em entrevista ao Valor Econômico.
Vozes da época:
“Pensei que fosse um erro do banco. Quando entendi, senti raiva e impotência”, relata Ana Lúcia, 68, que perdeu R$ 30 mil (valores atualizados) destinados à cirurgia da filha. Já o ex-ministro Zélia Cardoso de Mello, responsável pelo plano, defende-se: “Era a guerra contra a inflação. Não tínhamos opção.”
Três décadas e meia depois, o Brasil ainda carrega as cicatrizes de um dia em que o dinheiro sumiu — e a confiança nunca mais foi a mesma.