Quem nunca recebeu uma receita médica e se viu diante de um emaranhado de letras e símbolos indecifráveis? A fama da “letra de médico” é quase um clichê, mas por trás dessa caligrafia muitas vezes enigmática, existe uma explicação que envolve a neurociência, a rotina exaustiva e a prioridade dada à precisão do conteúdo em detrimento da forma.
Uma reportagem da BBC News Brasil explorou as razões pelas quais a caligrafia dos médicos pode ser tão peculiar. Segundo a matéria, a explicação não se resume à pressa ou à falta de cuidado. A neurocientista Fernanda Guedes Campos explicou que a habilidade de escrita envolve dois sentidos cruciais: a visão e a propriocepção, que codifica as informações provenientes dos músculos, da pele e do corpo durante o ato de escrever.
Ainda de acordo com Campos, a prática da escrita, assim como a influência de professores e o ambiente escolar, moldam a caligrafia individual. Contudo, no caso dos médicos, outros fatores entram em jogo. A rotina intensa e a necessidade de tomar decisões rápidas e precisas podem afetar a coordenação motora fina, essencial para uma letra legível.
“Não se trata apenas de má caligrafia. Escrevemos centenas de receitas por dia, muitas vezes com pouco tempo entre um paciente e outro”, explicou uma médica em entrevista ao portal Delas IG. A prioridade, nesses casos, é registrar as informações cruciais para o tratamento do paciente de forma rápida e eficiente, mesmo que a estética da escrita fique em segundo plano.
O estresse também se mostra um fator relevante. Estudos apontam que a ansiedade e o estresse podem levar a uma escrita mais tremida e desorganizada. A pressão constante sobre os profissionais da saúde, a responsabilidade de lidar com vidas e a carga horária extensa podem, portanto, impactar a legibilidade da sua escrita.
Essa dificuldade na interpretação da letra médica não é apenas uma curiosidade. Segundo o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), a letra ilegível em receitas pode gerar denúncias de pacientes e, em casos mais graves, levar a erros na administração de medicamentos, com potenciais consequências para a saúde.
Diante desse cenário, a tecnologia tem se apresentado como uma solução promissora. A implementação de prontuários eletrônicos e a prescrição digital, já adotadas em alguns locais, eliminam a barreira da caligrafia e garantem a clareza e a precisão das informações, beneficiando tanto os profissionais de saúde quanto os pacientes.
Embora a “letra de médico” continue a ser um tema de discussões e memes, compreender a complexidade dos fatores que a influenciam, desde a neurociência até as condições de trabalho, nos ajuda a ter uma visão mais completa sobre essa característica tão peculiar da área da saúde. A busca por soluções que conciliem a eficiência do atendimento com a segurança do paciente passa, inevitavelmente, pela modernização dos processos e pela adoção de ferramentas digitais.
Decifrando o código médico: neurociência por trás da caligrafia enigmática
