Decisão judicial obriga UFBA a substituir professora negra por branca em concurso com cota racial
Caso reacende debate sobre aplicação de políticas afirmativas em vagas únicas e gera revolta em entidades acadêmicas e movimentos sociais
A Universidade Federal da Bahia (UFBA) foi obrigada a demitir Irma Ferreira, professora negra nomeada via cotas raciais, e substituí-la por Juliana Franco Nunes, candidata branca com nota mais alta em concurso para docente substituta de canto lírico. A decisão, proferida em 17 de dezembro de 2024 pelo juiz Cristiano Miranda de Santana, da 10ª Vara Federal Cível da Bahia, só foi divulgada oficialmente pela instituição no último domingo (7) e já enfrenta recursos judiciais e críticas de entidades .
O concurso e a disputa pelas vagas
O edital de 2024 oferecia 83 vagas temporárias para professores, sendo 20% reservadas a candidatos negros, conforme a Lei nº 12.990/2014. Para a disciplina de canto lírico, vinculada à Escola de Música, havia apenas uma vaga. Irma Ferreira, doutoranda em educação musical, foi aprovada como cotista com nota 7,45, enquanto Juliana Nunes, doutora em pedagogia vocal, obteve 8,40 na ampla concorrência. A UFBA seguiu seu critério interno, em vigor desde 2018, de priorizar cotas mesmo em vagas únicas, considerando o total de vagas do edital .
Juliana recorreu à Justiça alegando que a legislação de cotas só se aplica a concursos com três ou mais vagas — argumento acatado pelo juiz, que considerou a nomeação de Irma “ilógica” e contrária ao §1º do Art. 3º da Lei 12.990/2014 . A decisão determinou a imediata contratação de Juliana, levando ao afastamento de Irma, que já lecionava há meses.
UFBA rebate e entidades repudiam
Em nota, a universidade afirmou discordar “veementemente” da interpretação judicial, defendendo que a reserva de vagas deve ser aplicada sobre o total de vagas do edital, não por disciplina. A instituição citou jurisprudência do STF, como a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 41, relatada pelo ministro Luís Roberto Barroso, que validou a constitucionalidade da Lei de Cotas .
Organizações como a Associação Brasileira de Educação Musical (Abem) classificaram o afastamento de Irma como “um constrangimento inaceitável” e um “ataque simbólico às políticas afirmativas”. O Diretório Acadêmico da Escola de Música convocou assembleia para discutir mobilizações em defesa das cotas .
Contexto legal e casos similares
A polêmica reflete uma lacuna na interpretação da Lei de Cotas. Enquanto a UFBA e o Ministério Público Federal defendem que a reserva deve considerar o conjunto de vagas do edital, o juiz Santana argumentou que a regra só vale para três ou mais vagas por cargo. Um caso semelhante ocorreu em 2024, quando a médica Lorena Pinheiro, cotista negra, perdeu uma vaga em otorrinolaringologia para uma candidata branca, mas posteriormente foi nomeada para outro departamento após pressão judicial .
Repercussão e próximos passos
O caso está sob análise da desembargadora federal Rosana Noya Alves Weibel Kaufmann, do TRF-1, após recurso da UFBA. Enquanto Juliana defende que “não se corrige uma injustiça com outra”, movimentos sociais alertam para o risco de retrocesso nas políticas de inclusão .
A disputa evidencia um dilema: como equilibrar mérito acadêmico e reparação histórica em concursos públicos? Para especialistas, a resposta está no respeito à legislação e na compreensão de que cotas raciais são um mecanismo essencial para combater desigualdades estruturais — não um privilégio, mas um direito .