Indicação de Jorge Messias ao STF: embate evangélico sobre aborto e a herança da ADPF das Favelas
A escolha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo advogado-geral da União (AGU), Jorge Messias, para a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) deixada pela aposentadoria de Luís Roberto Barroso, gerou intensa movimentação política, especialmente no Senado. Messias, um nome de perfil técnico e evangélico, foi formalmente indicado em novembro de 2025, mas enfrenta resistência crescente de setores conservadores, que pressionaram pelo adiamento de sua sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), prevista inicialmente para dezembro.
O Fogo Cruzado da Pauta Conservadora
Apesar de ser membro da Igreja Batista Cristã e ter sido visto como uma tentativa de Lula de se reaproximar da bancada evangélica, o nome de Messias se tornou alvo de um intenso “fogo cruzado” ideológico. O principal ponto de atrito é sua posição passada como AGU sobre a saúde pública.
No cerne da polêmica está um parecer emitido pela Advocacia-Geral da União, sob o comando de Messias, que defendia a legalidade da assistolia fetal — um procedimento médico para interrupção de gestações acima de 20 semanas em casos previstos em lei, como o estupro. Parlamentares conservadores, incluindo o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), exploraram o tema, classificando a manifestação como um endosso a “práticas abortistas” e pressionando pela rejeição do nome.
Em seu périplo no Senado, onde precisa de, no mínimo, 41 votos para ser confirmado, Messias buscou equilibrar a balança. Ele se declarou pessoalmente contrário ao aborto, mas sustentou a defesa da lei atual, que permite o procedimento em situações específicas (anencefalia, risco à vida da mãe e gravidez resultante de estupro). A tensão é um reflexo direto da polarização política e ideológica que cerca as indicações à Suprema Corte.
O Peso da ADPF das Favelas
Caso consiga a aprovação dos senadores, Jorge Messias herdará a relatoria de uma das pautas sociais e de segurança pública mais complexas do Judiciário: a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como ADPF das Favelas.
O caso, que trata da letalidade policial e estabelece um conjunto de regras para operações das forças de segurança em comunidades carentes do Rio de Janeiro, estava temporariamente sob a responsabilidade do ministro Alexandre de Moraes (o relator-tampão) após ter passado por Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. A ADPF das Favelas é uma ação de litigância estrutural que exige mudanças profundas na política de segurança, fiscalização do uso de câmeras em uniformes e viaturas, e investigações independentes em caso de mortes.
Assumir a relatoria da ADPF 635 colocaria o novo ministro diretamente no centro do debate sobre segurança pública, um tema de alta preocupação nacional. A herança da pauta, que envolve o monitoramento de um “estado de coisas inconstitucional” na segurança pública fluminense, exigirá de Messias grande habilidade para lidar com a pressão dos movimentos sociais e, ao mesmo tempo, as demandas das forças policiais e do governo.
Com a sabatina adiada, a expectativa é que a votação do nome de Messias, e consequentemente a definição da nova relatoria da ADPF, seja resolvida apenas no início de 2026, mantendo o processo no limbo e a pressão sobre o indicado em alta.





